Para
entender a influência de Cruyff no futebol mundial é importante entender como o
futebol era jogado antes da revolução holandesa. O futebol nos anos 60 era
dividido entre quatro países: Argentina, Itália, Espanha e Inglaterra. Enquanto
os latino-americanos dominavam o continente jogando um futebol baseado na
violência e na opressão, os três europeus se dividiam no domínio da European
Cup. A Itália seguia usando o Catenaccio popularizado por Helenio Herrera e
Nereo Rocco, a Espanha ainda usava o que havia sobrado do pentacampeão Real
Madrid e os ingleses tentavam emular o futebol rápido bem sucedido da seleção
nacional da copa de 1964. Todos os times fortes da época tinham como
característica uma forte obediência tática e se movimentavam apenas nos seus
setores designados. Ou seja, Sandro Mazzola jamais sairia para buscar a bola na
Grande Inter e nunca voltaria para marcar. O mesmo com jogadores como Bobby
Charlton no Manchester United de Matt Busby ou Gianni Rivera no Milan de Rocco.
O futebol era então pensado em dois espaços de campo: ataque e defesa. Quem
ataca não volta muito para marcar, quem defende raramente desce no ataque.
Havia, claro, alguns jogadores que escapavam do modelo, conseguindo fazer muito
bem as duas funções ao mesmo tempo. O espanhol Luiz Suárez e o britânico David
Sadler foram os primeiros expoentes do jogador polivalente que Johan Cruyff
traria poucos anos depois.
O
mais importante é entender que o jogo prévio do Futebol Total era muito fixo,
lateral e previsível. Já o Futebol Total era sobre voltar e descer com todos os
jogadores, diminuir espaços na defesa e o ocupar buracos no ataque. O que
poucos sabem é que o Futebol Total foi na verdade resultado de um processo que
só chegou ao seu auge quando encontrou o jogador tático perfeito. Se fizermos a
genealogia dos treinadores que usaram Cruyff nas equipes que aderiram ao método
podemos entender melhor onde ele nasceu. Rinus Michels, mais conhecido
treinador a usar o Futebol Total, trabalhou com o camisa 14 no Ajax, no
Barcelona, na seleção e no Los Angeles Aztecs. Michels foi um ótimo jogador do
Ajax, tendo atuado na equipe por mais de 12 anos. Lá, aprendeu os conceitos
iniciais da teoria com o inglês Jack Reynolds, um dos primeiros técnicos do
Ajax. Reynolds foi o primeiro treinador a usar o jogo de movimentação, mas teve
pouca repercussão no cenário europeu graças a segunda grande guerra, época onde
teve suas segunda e terceira passagem pelo clube holandês. A estruturação de um
sistema de jogo diferente trouxe resultados, a equipe ganhou títulos e o estilo
de jogo foi mantido e tornou-se a identidade do clube. Michels jogou um ano sob
a tutela do inglês, mas viu suas ideias serem desenvolvidas pelos técnicos
seguintes até que ele mesmo teve a oportunidade de treinar o Ajax. Se você é
desses que gostam de teste DNA para descobrir quem é o pai de quê, pode ter a
certeza que Jack Reynolds é o pai do Futebol Total.
Outro
que trabalhou com Cruyff foi Ernst Happel. Happel treinou apenas uma vez o
craque, mas sempre o viu jogar em partidas pelo campeonato holandês. Bicampeão
europeu, Happel era austríaco e viu no Futebol Total a realização do estilo de
jogo do clássico Wunderteam, equipe da Áustria que era treinada por Hugo Meisl
na copa de 1934. Baseado no sistema de pirâmide danubiana, Meisl montou uma
equipe vanguardista que tinha como principal característica a fluidez no ataque
que era liderado por Mathias Sindelar. A ligação então seria a seguinte: Meisl
> Happel > Cruyff. O problema é que Happel e Cruyff fizeram apenas uma
partida juntos pela seleção, havendo então um distanciamento entre os dois. A
resolução veio no Barcelona. O time catalão não trouxe apenas o craque
holandês, mas também o treinador Rinus Michels e o meia Johan Neeskens.
Neeskens foi o principal jogador holandês na copa de 1978, sendo o segundo
melhor daquela geração. Foi assim que os conceitos de Happel e Hugo Meisl
chegaram até a dupla Michels/Cruyff (vale ressaltar que Michels foi treinado no
Ajax por Karl Humenberger, mais um da escola austríaca). O que podemos ver
então é que o Futebol Total não foi inventado por Cruyff, suas premissas foram
testadas várias vezes antes e com certo sucesso. Mas sempre faltou algo a mais,
algo que transformasse toda a ideologia de movimentação e ocupação do espaço e
das linhas de corte em uma verdadeira máquina que pouco falhasse.
Cruyff
não foi nenhum Pelé, era ótimo, artilheiro e habilidoso, mas estava longe de
ser um desses jogadores que quando você olhava tinha a impressão de estar num
show de mágica. O que fez Cruyff ser uma das maiores lendas da história foi sua
inteligência e a capacidade de ler o jogo. O holandês ocupava os espaços com
naturalidade e conseguia passar a bola com velocidade no jogo proposto pelo
Futebol Total. Além disso, marcava muito bem e era espetacular ao cortar as
linhas de passe. Ele era a peça que faltou para Reynolds e Meisl e foi o
principal responsável para a funcionalidade tática da laranja mecânica. Sem um
atleta como ele a bola rolaria menos, ataque e defesa ficariam distantes e
Rinus Michels não teria conseguido chegar ao ponto mais alto do Futebol Total.
Em termos gerais, Cruyff foi um dos maiores armadores da história, mas tinha
também uma capacidade bizarra para driblar e finalizar. Foi o jogador mais
versátil da história e um dos pouquíssimos casos de “jogador tático” com
talento real.
Enquanto
o jogador Cruyff foi o símbolo da revolução tática, o treinador foi um maestro
que tentou repassar tudo aquilo que aprendeu em seus tempos de atleta. Sua
passagem no Ajax foi mediana, mas foi o suficiente para leva-lo até o
Barcelona. Ídolo como jogador dos Blaugranas, Cruyff é o pai do Tiki Taka
proposto por Guardiola no final dos anos 2000 e do sistema de formação de
atletas do clube. Foram quatro títulos da Liga, um da Copa do Rey, três
Supercopas nacionais, uma Copa dos Campeões de Copas, uma European Cup e uma
Supercopa Europeia. No clube Cruyff treinou atletas como Stoichkov, Romário,
Luís Henrique e Guardiola, os dois últimos como pupilos para o futuro da equipe
que desenvolveram o Tiki Taka, variação do Futebol Total. Mas o que marcou
mesmo sua passagem foi a reestruturação da La Masia, a categoria de base do
clube. A ideia de que os times da base deveriam jogar da mesma forma que o
profissional foi ideia do holandês e é considerada hoje em dia uma dos maiores
objetivos de todos os clubes do mundo. Seu trabalho como técnico foi
fundamental e influenciou vários treinadores pelo mundo, de Guardiola a Carlos
Ancelloti, de Luís Henrique a Louis van Gaal.
É
claro que o gênio holandês tem uma história riquíssima no futebol e sua genialidade
exige uma explicação muito mais bem detalhada do que essa que dei. Mas voltando
naquela ideia de sintetizar coisas complicadas, vamos tentar definir a importância
de Cruyff: se não fosse ele não haveria Futebol Total, Rinus Michels, Ajax e
futebol holandês. Se não fosse Cruyff os nomes de Hugo Meisl e do Wunderteam ficariam
perdidos na história, Jack Reynolds não seria considerado pai de nada e a
história da análise tática seria ainda menos linear. Se não fosse Cruyff não existiria
Guardiola, Tiki-Taka, Barcelona ou La Masia. Não é que eu queira ser
hiperbólico, mas sem Johan Cruyff talvez não existisse nem mesmo futebol. Pelo
menos não como conhecemos hoje.
Algumas
Frases de Cruyff:
"As
pessoas diziam que eu estava indo para um país fascista. O presidente do Ajax
queria me vender para o Real Madrid. Mas eu nasci logo após a guerra e fui
ensinado a não apenas aceitar qualquer coisa. O Barcelona não era do mesmo
nível do Real Madrid, mas era um desafio jogar por um clube catalão. Barcelona
era mais do que um clube."
"Todos
os treinadores falam sobre movimentação, sobre correr muito. Eu não corro muito.
Futebol é um jogo que você joga com o cérebro. Você precisa estar no lugar
certo na hora certa, não muito cedo nem muito tarde."
Algumas
frases sobre Cruyff:
"Tivemos
quatro reis do futebol: Di Stéfano, Pelé, Maradona e Cruyff.”
Luis
Cezar Menotti, técnico argentino.
“Com
Cruyff eles sentiam que não poderiam perder”
Jimmy
Burns, sobre o Barcelona de Cruyff.
“Minha
maior satisfação seria ter treinado uma equipe como a Holanda de 1974. Era um
time onde você poderia pegar o Cruyff e colocá-lo do lado direito. Se eu
colocasse do lado esquerdo, ele jogaria do mesmo jeito.”
Telê
Santana, técnico brasileiro.
"Eu
amava a Holanda de 1970, eles me excitavam e Cruyff era o cara. Ele foi o
coração de uma revolução no futebol. O Ajax mudou o futebol e ele foi o líder
de tudo isso. Se ele quisesse poderia jogar em qualquer posição do campo."
Eric
Cantoná, atacante francês.
BÔNUS: O MUNDO PERDE UM GÊNIO MUSICAL!!!
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