terça-feira, 1 de março de 2016

China, Darín e ganância

            Quando a China chegou com os seus milhões para contratar os jogadores brasileiros floresceram na internet e nas conversas ordinárias várias discussões sobre quão válido é para uma pessoa abandonar reconhecimento, condição de vida e carreira para ganhar muito mais dinheiro. Uma comparação que geralmente é feita é a seguinte: Você trabalha numa empresa muito boa, é um dos melhores funcionários e vive cercado por competentes companheiros de serviço. Vive numa cidade boa, recebendo um salário que não te traz preocupação nenhuma e te deixa livre para fazer algumas extravagâncias. Mais importante que isso é o fato de você gostar de trabalhar lá, de se sentir útil e completo estando lá. Tudo certo, até que um dia chega uma nova proposta. A nova empresa cresceu recentemente, não é grande na área e pretende fazer de você o símbolo dela. Você iria do status de “bom funcionário” para “mais importante funcionário” da empresa, mas não porque melhorou seu nível de serviços prestados e sim porque o nível de seus companheiros simplesmente despencou. Além disso, você está em uma empresa que é muito visada, podendo no futuro aparecer uma oferta boa de uma empresa maior do que aquela que você está e MUITO maior do que aquela que você pode ir. Ou seja, você pode sair de um mercado real e visível e ir para um mercado em potencial, que pode se tornar real só depois que você sair de lá. Se você sair, adeus sucesso e reconhecimento, olá ostracismo. Mas, claro, tudo isso em troca de muito, MUITO dinheiro. Dinheiro suficiente para garantir o seu futuro, o futuro dos seus filhos e de seus netos e bisnetos. Dinheiro que você nunca verá se ficar onde está. Acredito que absoluta maioria das pessoas, colocadas nessa situação, diria sim. Ao menos é isto que vemos ser dito por aí. Mas será que esta é realmente a melhor opção?


            Quando chegaram as ofertas para o Corinthians no começo do ano o presidente do clube disse que era simplesmente impossível segurar os jogadores em virtude do método aliciatório dos chineses e dos gigantescos salários oferecidos. Há aí uma primeira questão ética: o clube oferece um contrato ao jogador com determinado salário, determinada duração e determinada multa rescisória. Ele assina e pronto, o acordo está selado e é inviolável. Os contratos esportivos servem para assegurar ao clube a preservação do atleta em sua posse e, mais importante, assegurar ao jogador os pagamentos em caso de afastamento e lesão. Contudo, quando os chineses chegaram eles não pensaram em momento algum pagar as multas aos clubes, criando uma situação de mal estar. O jogador tem uma oferta enorme, ele quer sair, mas o comprador não quer pagar o valor. O time que tem o contrato quer ficar com o jogador, mas sabe que, se negar a venda, desagradará o atleta e criará um ambiente ruim. A situação se deu em dois casos: primeiro com Ralf, que pagou a rescisão com dinheiro do próprio bolso (sete anos de clube e uma enorme idolatria jogados no lixo por uma atitude babaca) e depois com Ricardo Oliveira. O atacante ficou no Santos, mas forçou o clube a baixar o valor da rescisão. Ou seja, o acordo inviolável é uma piada. 
            As condições de vida na China são horríveis. O país é poluído, as cidades maiores (cidades onde estão os principais clubes) são verticais e são vários os relatos de atletas que foram para lá que sofreram muito com as condições para respirar. Rafael Marques, hoje no Palmeiras, declarou recentemente em entrevista que as relações de poder no futebol chinês são abusivas. Além desses dois pontos, o nível do campeonato nacional e continental é simplesmente pífio. Os jogadores nascidos ali são péssimos, o que acaba refletindo na qualidade da seleção nacional. Atualmente a China é o número 93 do mundo e ocupa a décima primeira posição entre os países da confederação asiática, uma posição na frente da Coréia do Norte, país onde a liga nacional é semiamadora. As equipes que não disputam competições continentais jogam, no máximo, 36 partidas por temporada entre jogos da liga e da copa, muito pouco perto dos calendários brasileiro e europeu. Já nos campeonatos continentais, apenas quatro equipes jogam a Champions League, não havendo nenhuma que jogue a liga continental de segundo nível, AFC Cup. A China nunca colocou mais do que um time nas quartas de final da Champions após a chagada do dinheiro, mostrando que até mesmo mesmo no nível de ligas eles estão atrás de países mais tradicionais como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Japão e Coréia do Sul. Além disso, a Super League Chinesa não aceita mais que quatro jogadores estrangeiros em campo. É louco, mas, mesmo com o incentivo para gastar, as equipes são forçadas a colocarem os jogadores da casa para jogar. Isso significa que alguns jogadores jogarão menos porque terão que dar lugar para jogadores nacionais.

Reunião de craques.
            Eu já falei sobre como o nível é fraco né? A Ásia foi cinco vezes terceira colocada do Mundial de Clubes, sendo que em apenas duas vezes chegou ao posto por ter ganhado a Champions local (lembrando que 11 das 12 edições foram realizadas na Ásia). A China disputou a competição apenas duas vezes e não passou do quarto lugar em ambas as vezes. O Tianjin Quanjian mostrou-nos recentemente o quão fraco é o nível do futebol Chinês, especialmente na segunda divisão, como é o caso. A equipe de Luís Fabiano e Jádson sofreu derrotas ridículas em amistosos contra equipes brasileiras: 5x1 contra o Vitória da Bahia (primeira divisão nacional), 4x0 contra o Bragantino (segunda divisão nacional) 2x1 contra o XV de Piracicaba (primeira divisão paulista), 1x0 contra a Portuguesa (segunda divisão paulista) e 4x2 contra o Taubaté (terceira divisão paulista). É claro que o primeiro escalão é superior, mas quanto? Eu não acho que Beijing Guoun conseguiria derrotar uma equipe de Série B e com certeza eles seriam atropelados por uma equipe de primeira divisão. Mas o mais interessante é analisar como os jogadores voltam após sair da China. No caso de Geuvânio alguns comentaristas disseram que ele deveria aceitar a oferta, receber pelos três anos e então voltar ao Brasil para dar continuidade na carreira. Faz certo sentido: ele tem 23 anos e quando voltar, com 26 anos, terá todo tempo para jogar no Brasil e seguir carreira na Europa. O problema é que não há vida no futebol após a China.
            Você pode não se lembrar, mas a algum tempo atrás Vagner Love era considerado um dos mais eficientes atacantes do mundo. Ele tinha explosão, velocidade, e era fatal no 1x1. Foi para China, ganhou muito dinheiro e voltou jogando uma coisa que lembrava futebol. Ele voltou tão mal que o técnico Tite teve que afastá-lo para que pudesse readquirir condicionamento físico e modificar suas características em campo. Love jogou mais como pivô, saindo da área para dar espaço para as infiltrações dos meias e voltou muito para marcar. Teve sorte, contudo. Após seu afastamento Luciano jogou muito e parecia que iria se tornar o titular da posição, até que uma lesão o tirou da competição. Se Luciano se mantivesse na equipe, Vagner Love nunca mais teria chances de mostrar recuperação, nem mesmo teria ânimo para isso. Mas mesmo após os milagres realizados pela comissão técnica corintiana o atacante esta longe de ser o jogador que já foi em um momento da carreira. Tem explosão, tem posicionamento, mas falta o poder de finalização que fez ele ser famoso no mundo todo. E não é caso de excessão: Conca voltou irreconhecível para o Fluminense e logo retornou para a Ásia; Paulo André, que no Corinthians era um zagueiro que passava muita segurança, chegou ao Cruzeiro totalmente fora do ritmo de jogo; e Barcos, artilheiro no Brasil e na China, não tem nem mesmo conseguido ser reserva no Sporting de Portugal. Jogar na China é desistir da carreira, da seleção nacional. É se aposentar mais cedo. Tudo isso para quê? Ganhar MUITO dinheiro.
            Ricardo Darín é o símbolo maior da revolução recente no cinema argentino. As produções receberam muitos incentivos e não é exagero nenhum dizer que hoje eles estão estre os melhores do mundo. Mas Darín vai além: suas atuações marcantes, especialmente no ótimo “El Secreto de tus Ojos”, o elevaram ao status de estrela do cinema mundial, fazendo aparecer propostas da indústria americana. A resposta de Darín foi um carinhoso e honesto NÃO. Abaixo vocês podem a ver a famosa entrevista que ele deu explicando a recusa:


            A mensagem de Darín é simples: para que eu preciso ganhar mais se eu posso viver bem com aquilo que eu já tenho? Por que eu deveria trair as minhas convicções? Ter mais dinheiro vai me fazer uma pessoa mais feliz? E não é nenhuma conversa moralista e superficial como “dinheiro traz felicidade?”, mas sim sobre excessos e ganância. As pessoas que trocariam o emprego bom por um pior, que apoiam as atitudes dos jogadores, seriam as mesmas que trairiam suas convicções para acumular ainda mais dinheiro. Toda essa situação que o futebol brasileiro passou no início do ano revela muito sobre como nós mesmos nos comportamos e entendemos o mundo. A sociedade, por meio da cultura de consumo, se tornou extremamente ambiciosa e materialista, criando um estatuto que diz que você precisa sempre estar no topo. É a crista da onda, como diz Darín. Nós precisamos sempre de mais: mais bens e mais dinheiro, o que acaba nos deixando uma eterna sensação de vazio, de falta e de distanciamento. A felicidade de fato não é sentir que se está longe de toda a imensidão do que você pode ter, mas sim saber que você está bem próximo do mínimo que precisa. A atitude de acumular capital dos atletas não deve ser condenada, mas ver os jogadores saindo da estabilidade de suas carreiras para jogar em equipes menores e arriscando seus futuros no esporte é algo triste, não mais triste do que ver que a opinião pública acorda com isto.

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