domingo, 10 de janeiro de 2016

Os elementos de um bom jogo



Na 18ª rodada do Brasileirão desse ano Corinthians e Sport fizeram na Arena Corinthians aquele que foi chamado de “o melhor jogo do campeonato”. Como corintiano sou obrigado a concordar, afinal a equipe paulista venceu por 4 a 3 o movimentado jogo com um gol de pênalti de Jádson no último minuto. Dezesseis rodadas depois, em gramado encharcado onde grama e lama se misturavam, o Santos empatava com o Joinville em partida extremamente arrastada e de raras finalizações. Os sites de notícias logo noticiaram a partida com títulos como “de dar sono”, “em jogo fraco” ou o clássico “em jogo ruim”.
O censo comum diz que uma partida de futebol de encher os olhos tem que ter gols. Muitos. Milhares. E geralmente é isso mesmo, uma partida com muitos gols sempre terá chances de ser um jogo bem melhor aquele um a zero magrinho. Contudo, definir um bom jogo só pela quantidade de gols é uma grandíssima de uma bobagem, havendo tantas exceções que acabam invalidando a regra. Na semifinal da copa de 1970, Brasil e Inglaterra fizeram uma partida que acabou entrando para a história. Aconteceu de tudo, finalizações perigosas, uso do campo inteiro para atacar, contra ataques rápidos, a famosa defesa de Gordon Banks e Francis Lee jogando o melhor jogo de sua carreira. Isso tudo com o tempero de ser este jogo o encontro entre as seleções que haviam ganhado as últimas três copas do mundo. Um jogaço!
Agora experimenta assistir uma partida das fases iniciais das eliminatórias da AFC. Os jogos sempre terminam com placares elásticos, mas são horríveis. Os gols são normalmente fruto da incapacidade de defender e se posicionar, geralmente marcados por jogadores ruins, mas que, no meio de um monte de asiáticos, conseguem se aproximar de algo parecido com futebol.
Meu objetivo aqui é citar os elementos que tornam um jogo num espetáculo. Afinal, o que faz um jogo bom?


Gols, vários deles:

Há um capítulo no livro "Os Números do Jogo" de Chris Anderson e David Sally chamado "O Gol: A donzela difícil do futebol". Para os dois, o gol é um acontecimento raro e valioso. Mais do que isso: toda a estrutura do futebol profissional é moldada volta do gol. Salários, riscos e táticas (veremos mais sobre a importância do gol no futuro com a taxa de câmbio flutuante do Brasileirão 2015).
Dentre todos os esportes coletivos com objetivo, o futebol é aquele em que o objetivo é mais raro. Ano passado a seleção feminina de handebol foi derrotada pela Romênia por 24x22. Em 60 minutos de jogo a meta foi alcançada 46 vezes. Já na partida entre Sacramento Kings e Oklahoma City Thunder, ocorrida no dia 4 de janeiro desse ano pela NBA, foram 79 arremessos de quadra convertidos em 48 minutos de jogo. É por ser tão raro que o gol no futebol recebe essa valorização, é por isso que os jogadores comemoram os gols correndo desesperadamente sem direção e também é por isso que as arquibancadas tremem quando eles saem. Gols não fazem um grande jogo sozinho, mas é sempre um bom começo.

Argentina 3x2 Nigéria: um dos melhores jogos da copa de 2014
Pressão e rivalidade:

Este é meu favorito. Raramente você verá um jogo importante para o campeonato onde acontece ser ruim. Seja uma final de Champions, da Copa do Mundo ou até mesmo aquele confronto direto entre duas equipes que brigam pelo título (ou para fugir do rebaixamento). Além destes, há também os Derbys, os grandes clássicos entre rivais. É outro nível de jogo, os jogadores não jogam somente pelos três pontos, mas por uma impressão de supremacia contra seu adversário. É a chance de o segundo colocado carimbar a faixa do virtual campeão, de se afastar de vez de um rebaixamento. É um jogo que transcende o profissional até atingir o pessoal, o subjetivo do homem com o uniforme e a sua honra como atleta. Mais do que isso: é a chance de entrar para a história do seu time e de fazer a sua torcida ter um dia seguinte melhor. O jogo de pressão é maior que tudo, é aonde jogador e torcedor chegam ao nível máximo de tensão.

 
A final antecipada entre Atlético e Corinthians: um caso recente de jogo de pressão.
Uma boa atuação individual:

De vez em quando o que a gente quer ver é apenas uma boa atuação de um craque. Esse caso interessa os fãs mais atentos do que acontece num jogo. Há vários casos aqui: artilheiro fazendo vários gols numa partida (Suarez no Mundial de Clubes contra o Guangzhou Evergrand), um jogador dando vários dribles desconcertantes (basicamente qualquer jogo do Neymar), um meia dando passes precisos (Lucas Lima contra o São Paulo no jogo da volta da Copa do Brasil), um zagueiro tendo uma atuação firme e segura (Pedro Geromel em qualquer jogo da vida dele) ou um goleiro salvando a equipe de tomar vários gols (Gordon Banks contra o Brasil em 1970). Segue o exemplo maior desse tipo de jogo: Cristiano Ronaldo e Ibrahimovic fazendo o melhor jogo de suas carreiras no mesmo campo.


Emoção e a magia do último minuto:

Por último, o único elemento que sozinho consegue colocar um jogo na história. No futebol (nos esportes em geral, para ser mais honesto) há a cultura de sair sempre antes do jogo acabar com as pessoas preocupadas em chegar ao estacionamento antes para que possam evitar o trânsito de carros e pessoas que se encontrarão na rua. Estes são os fãs normais, aqueles que vão para o jogo pensando em se divertir, curtir o momento e, eventualmente, assistir a partida. Não há nada de mal nisso, é claro, mas não são estes os torcedores que fazem o futebol essa instituição que adoramos. A beleza do futebol está toda na fé, na esperança de que o improvável surgirá no momento aleatório. Nós esperamos e torcemos para que o gol ou o grande momento aconteça sempre no minuto seguinte, mas é na posposição dele que o nosso caráter como torcedor é construído. O gol no último minuto, na última jogada, ou até mesmo o pênalti defendido nos acréscimos, a bola salva na linha na última chance do adversário; todos estes momentos tornam o jogo de futebol um esporte tão fantástico, são essas as jogadas que nos deixam com a sensação de dever cumprido no final da partida. É na jogada derradeira que aqueles torcedores que ficaram enquanto viam os outros abandonarem o estádio para fugir do trânsito têm a sua vingança. Watford e Leicester é um caso óbvio, mas fiquemos com o jogo final entre Manchester City e Queens Park Ranger na última rodada do campeonato inglês em 2012.


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