domingo, 21 de agosto de 2016

Pequena reflexão sobre o futebol feminino



            Na final olímpica do futebol feminino de 2008, em Pequim, a seleção Brasileira enfrentou a seleção dos Estados Unidos na final, reeditando a disputa pelo ouro de 2004. Com um elenco mais modesto que o da edição anterior, as norte-americanas teriam que correr atrás de uma equipe que havia acabado de ser vice-campeã mundial e tinha um elenco fortíssimo, tendo como cereja do bolo a melhor jogadora do mundo. Após dominar os 90 minutos e forçar Hope Solo a fazer sua, até então, melhor atuação da carreira, a seleção sucumbiu fisicamente e viu Carly Lloyd fazer o gol que mataria o jogo. Sem pernas, mas com muito coração, as brasileiras correram atrás, Marta passou perto várias vezes, mas não conseguia tirar o zero do placar brasileiro. Aos 20 minutos do segundo tempo da prorrogação Marta bate uma bola que acerta a rede pelo lado de fora. Inconformada, olha para o céu com os olhos marejados e diz: “meu Deus, o que foi que eu fiz de errado?” (1 min e 35). Era o fim. A própria Marta ainda teve mais uma chance que passou perto da trave, mas esta serviu apenas como prólogo para o momento em que a atleta desabou, ainda antes do apito final. Era a terceira derrota em uma final de torneio principal e que deixava a melhor geração do futebol feminino brasileiro marcada pela ausência de um título maior.
            Com a aposentadoria de algumas jogadoras como Daniela Alves e Pretinha e o envelhecimento de outras jogadoras a seleção começou a perder espaço, deixando de ser presença em finais de torneios maiores. Enquanto países como Estados Unidos, Alemanha, Suécia, China, Japão, França, Canadá e Coreia do Norte fortaleciam ligas internas e sustentavam uma cultura de futebol nas meninas da base, o Brasil passava todo o tempo cambaleando entre a solidificação de uma liga nacional que desse condições mínimas para formação e a manutenção de atletas de ponta. Enquanto jogadoras norte-americanas protestam contra campos com gramados sintéticos na sua liga nacional, vemos nossas jogadoras protestarem contra a inexistência de uma liga. Avanços aconteceram, é claro, mas eles foram lentos demais para competir contra o resto do mundo. Por mais que tenha mais talentos, seria um milagre uma vitória numa competição contra países que investem muito mais no esporte do que o Brasil.
            Após a derrota contra a seleção canadense a artilheira Cristiane, após ser questionada sobre o que deveria melhorar no futebol feminino no Brasil, disse que tornar a listar os problemas poderia soar como uma desculpa frente às derrotas da equipe. Discordo totalmente. É muito importante que, sempre que um microfone aparecer na frente de nossas jogadoras, elas denunciem os problemas na estrutura da modalidade. Se tivessem vencido, nada teria mudado de fato. Vencer ou perder é do jogo e elas já chegaram longe demais contra seleções muito mais organizadas. Fica a tristeza pela aposentadoria de Formiga, que demonstra uma disposição surreal para alguém de 38 anos, e o nosso pedido a Marta: por favor, não desista. Você não fez nada de errado.
 -----
            Aproveito para deixar algumas ideias e impressões sobre o que eu vi no torneio de futebol feminino nas olimpíadas (aquele que não é sub-23).



  • A mania da torcida brasileira de gritar “bicha” nas cobranças de tiro de meta é algo estúpido e desnecessário, mas que geralmente não ofende os jogadores héteros e descerebrados do futebol masculino. O problema é que no futebol feminino mais atletas são homossexuais e uma situação de desconforto foi criada com as atletas.

  • De qualquer forma, palmas para que teve a genial ideia de gritar “Zika” nas cobranças de tiro de meta da Hope Solo.

  • Hope Solo, aliás, cometeu mais uma gafe no torneio. Depois da brincadeira desnecessária com o zika vírus, a atleta ganhou os noticiários por chamar a seleção sueca de covarde. Ok que nós até podemos concordar com isso após sofrermos com a retranca delas, mas o problema real é que a técnica da Suécia é Pia Sundhage, a pessoa que subiu Solo ao time principal em 2008 e levou a seleção americana ao título mundial e ao bicampeonato olímpico. O comentário foi mal recebido até mesmo com as companheiras da atleta norte-americana, recebendo a sutil resposta de Sundhage: “Está ok se somos “covardes”, mas vencemos”.

  • As duas seleções finalistas tinham mulheres no comando e elas entendem MUITO de futebol.

  • O futebol feminino é muito inferior tecnicamente quando comparado com o masculino, mas parece que as mulheres são muito melhores para situações de pressão, como os pênaltis. Hope Solo tem uma mecânica espetacular para pegar bolas que vão ao ângulo superior e as jogadoras brasileiras bateram seus pênaltis com muita qualidade. Rafaelle, zagueira, acertou no ângulo contra a Austrália, mesmo disputa em que Mônica, também zagueira, bateu rasteirinho e devagar para a bola bater no limite da trave. Vencedora de duas disputas pela Suécia, Schelin bateu o famoso “pênalti perfeito” e viu sua goleira pegar três cobranças, sendo o pênalti de Andressinha muito bem batido.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário