Sete anos depois de estourar na
jovem equipe do Santos ao lado de Neymar, Ganso finalmente vai jogar na Europa.
O destino é o Sevilla, atual tricampeão da Liga Europa que será treinado nesta
temporada pelo ótimo Jorge Sampaoli. O meia que era tratado como o grande
salvador da pátria em 2010 vai para a Espanha por “apenas” 10 milhões de euros,
valor muito abaixo do que o camisa 10 da era Mano Menezes valia.
Nascido no Pará, Ganso veio do Paysandu (jogou antes no/a Tuna-Luso) para o Santos em 2005 junto com o craque Giovanni, tendo carregado durante toda sua carreira na base as inevitáveis comparações com o ídolo santista. Em 2007, aos 17 anos, sofreu uma lesão na perna direita que o afastou por seis meses do futebol. Recuperou-se e conseguiu voltar a tempo da disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2008, ao lado de talentos como Carleto, Neymar e Thiago Luís. Seu futebol agradou o técnico Emerson Leão, o que facilitou a sua renovação de contrato e sua subida ao time profissional. Não teve muito tempo de jogo e pouco impressionou na fraca campanha da equipe no Brasileirão, mas conseguiu ganhar espaço na empolgante equipe do Paulistão de 2009. Desbancou o badalado Lúcio Flávio na posição de armador, tornou-se titular da equipe no decorrer do ano e começou a chamar a atenção do futebol internacional.
Já estabelecido no time titular
santista, Ganso viveu seu melhor momento da carreira em 2010, ano em que a
equipe ganhou o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. Antes coadjuvante do
time de Neymar, o meia passou a ser a grande estrela de uma equipe que, além do
hoje jogador do Barcelona, tinha talentos como André e Wesley e o experiente
Robinho. As boas atuações encadearam um movimento em que as pessoas pediam
loucamente pela sua convocação na seleção na Copa do Mundo de 2010. O desempenho fraco na
competição e a clara necessidade de um jogador de armação fizeram com que
técnico Dunga caísse e deixaram claro que o novo camisa 10 deveria ser o
paraense. A primeira convocação de Mano Menezes, contra a seleção dos Estados
Unidos, já teve o nome do atleta que, logo de cara, recebeu a camisa 10. O ano
estava perfeito, tudo estava seguindo como o planejado pelo jogador, mas, em
agosto, quinze dias depois da estreia na seleção, o meia sofreu uma ruptura no
ligamento cruzado do joelho esquerdo (mesma lesão que já havia sofrido, 2007,
no joelho direito) e parou por sete meses.
O que se desenrolou a partir daí foi
a explosão de Neymar que, sob a tutela de Muricy Ramalho, se tornou um dos
melhores jogadores do mundo, sendo fundamental para a conquista da Libertadores
de 2011. Ganso, insatisfeito com a forma que o Santos havia tratado sua
renovação de contrato, passou a ser um mero espectador de Neymar, tendo apenas
alguns lampejos do jogador que havia sido no ano anterior. Seu desempenho não
agradava os torcedores, que criticavam muito o atleta que não conseguia mais se
estabelecer no clube e na seleção. O maior baque veio nas Olimpíadas de Londres
onde, mesmo cercado de jogadores jovens, acabou sendo relegado ao banco de
reservas. Era hora de mudar de ares.
Linguinha sedutora... |
Ganso foi vendido para o São Paulo
na maior negociação entre clubes brasileiros até aquele momento, chegando ao
clube com status de maestro e apenas
22 anos. Participou discretamente da campanha que deu a Copa Sul-Americana para
a equipe e demorou a engrenar pelo tricolor paulista. Começou a responder
melhor quando Muricy Ramalho chegou ao clube no lugar de Ney Franco. Ganso já
conhecia o treinador, com quem havia sido campeão da Libertadores. O meia
reencontrou o bom futebol, conseguia dar passes e chegava com mais eficiência
no ataque para finalizar. Ganhou a posição de armador da equipe de Jádson e, em
2014, fez parte do bom conjunto ofensivo que contava com Pato, Kaká, Luiz
Fabiano e Alan Kardec que levou o São Paulo ao vice-campeonato brasileiro
daquele ano. Em 2015 o São Paulo viveu um momento muito complicado na sua
administração, o que afetou diretamente o rendimento em campo. Ganso não tinha
atuações consistentes e parecia estar fazendo corpo-mole nas partidas, o que
colocou ele numa posição de conflito com a torcida. Um ano após ter seu auge no
clube, o jogador vivia seu pior momento.
E foi com esta carreira cheia de
altos e baixos que um dos maiores talentos do final década passada começou
2016. Com um elenco limitadíssimo, Ganso se tornou o líder técnico do São Paulo
de Edgardo Bauza que demorou muito para encaixar. O meia tinha agora que buscar
a bola, distribuir os passes e chegar junto na área para finalizar. A resposta
do jogador foi muito boa, conseguindo muitas assistências e gols decisivos na
Libertadores e, mais importante, participando muito mais do sistema defensivo
do time. Sempre criticado pela falta de empenho, Ganso mostrou no primeiro
semestre de 2016 muita disposição para correr pelo campo e foi o limiar do São
Paulo entre um jogo bom e um ruim. Um desempenho tão bom chamou a atenção da
Europa e a sua saída agora já é dada como certa.
Por mais que esteja na mídia desde o
início da sua carreira profissional, Ganso tem apenas 26 anos, sendo ainda
muito novo para um jogador da sua posição. Os melhores armadores do futebol
geralmente atingem o auge quando já têm uma idade avançada, afinal adquirem
mais experiência e pouco perdem em velocidade. Um bom exemplo é Alex, armador
cerebral que nunca foi de correr muito e soube usar o tempo a seu favor nos
seus melhores momentos no Fenerbahce. Outro caso de sucesso é Pirlo. O camisa
10 são paulino teria sido informado que Jorge Sampaoli tem como objetivo
transformá-lo numa espécie de “Pirlo do Sevilla”, dando a ele a mesma função de
iniciar as jogadas que o italiano tinha no Milan, Juventus e seleção.
Devagar e sempre |
Na teoria a ideia parece boa, afinal
Ganso é muito bom passador e dá tão poucas arrancadas quanto Pirlo, mas na
prática não é bem assim que funciona. Pirlo nunca foi um velocista e sempre
teve dificuldades na marcação individual, mas sempre estava se mexendo e
ditando o ritmo do jogo. Na semifinal entre Juventus e Real Madrid ele simplesmente foi o segundo jogador que mais distância havia percorrido em campo, isso aos 36 anos de idade. Cruyff tem uma frase espetacular sobre isso:
“se eu sair um pouco antes que meu adversário eu sempre vou parecer mais
rápido”. Jogadores de alto nível como Cruyff e Pirlo sempre souberam ler o jogo
e dedicavam suas energias para sempre aparecerem livres. Ganso é um destes que
sabem ler o jogo, mas sempre chamou a atenção a sua falta de concentração no
que acontecia em campo. Para ser o distribuidor que Sampaoli pensa ele
precisará se desmarcar mais e terá que correr o tempo todo, coisa que nunca fez
desde que começou a jogar profissionalmente.
Numa famosa entrevista feita no “Bem amigos”, Clarence Seedorf (que na época era uma espécie de guru sobre o futebol
estrangeiro) disse que Ganso teria uma enorme dificuldade para se adaptar ao
futebol europeu, pois era um jogador que cadenciava muito o jogo e mantinha a
bola tempo demais nos seus pés. Este é um problema que o jogador não parece ter
superado, nem tanto por incapacidade, mas pelo excesso de espaço que se tem
para jogar no Brasil. Um jogo baseado em passes de primeira parece besteira
quando se joga ao lado de jogadores que não conseguem acompanhar seu
raciocínio. Com os bons valores da equipe espanhola Ganso pode ter mais opções
para usar e desenvolver o seu arsenal de jogadas.
Podemos entender então que são três
as coisas que o meia precisa melhorar neste momento: primeiro ele precisa se
mover mais dentro de campo e ser sempre uma opção viável para seus companheiros
criando linhas de passe; depois ele precisa soltar a bola mais rápido do que
faz atualmente, evitando mais do que três toques quando tiver a posse de bola;
e precisa aperfeiçoar o seu jogo defensivo, jogo este que já deu mostras de
eficiência enquanto foi um dos melhores ladrões de bola do Campeonato Paulista
desse ano.
Procurei uma montagem do Ganso com a camisa do Sevilla e não achei, então finjam que este não é Kiyotake |
Fato é que Paulo Henrique Ganso terá
sua primeira (e última?) chance no futebol europeu. Vai para uma liga que preza
mais pelo ataque do que pela defesa, para um time que busca renovação e mais
títulos com um treinador super ofensivo que sempre trabalhou bem com jogadores
técnicos como ele. O garoto paraense que já foi comparado com craques do mundo
todo chega ao velho continente com seis anos de atraso e leva consigo a
esperança de que possa, com a maturidade adquirida na intensa jornada que foi
sua carreira, reencontrar o jogador que encantou o mundo em 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário