quinta-feira, 14 de julho de 2016

Ganso já vai tarde

            Sete anos depois de estourar na jovem equipe do Santos ao lado de Neymar, Ganso finalmente vai jogar na Europa. O destino é o Sevilla, atual tricampeão da Liga Europa que será treinado nesta temporada pelo ótimo Jorge Sampaoli. O meia que era tratado como o grande salvador da pátria em 2010 vai para a Espanha por “apenas” 10 milhões de euros, valor muito abaixo do que o camisa 10 da era Mano Menezes valia.




            Nascido no Pará, Ganso veio do Paysandu (jogou antes no/a Tuna-Luso) para o Santos em 2005 junto com o craque Giovanni, tendo carregado durante toda sua carreira na base as inevitáveis comparações com o ídolo santista. Em 2007, aos 17 anos, sofreu uma lesão na perna direita que o afastou por seis meses do futebol. Recuperou-se e conseguiu voltar a tempo da disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2008, ao lado de talentos como Carleto, Neymar e Thiago Luís. Seu futebol agradou o técnico Emerson Leão, o que facilitou a sua renovação de contrato e sua subida ao time profissional. Não teve muito tempo de jogo e pouco impressionou na fraca campanha da equipe no Brasileirão, mas conseguiu ganhar espaço na empolgante equipe do Paulistão de 2009. Desbancou o badalado Lúcio Flávio na posição de armador, tornou-se titular da equipe no decorrer do ano e começou a chamar a atenção do futebol internacional.
            Já estabelecido no time titular santista, Ganso viveu seu melhor momento da carreira em 2010, ano em que a equipe ganhou o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. Antes coadjuvante do time de Neymar, o meia passou a ser a grande estrela de uma equipe que, além do hoje jogador do Barcelona, tinha talentos como André e Wesley e o experiente Robinho. As boas atuações encadearam um movimento em que as pessoas pediam loucamente pela sua convocação na seleção na Copa do Mundo de 2010. O desempenho fraco na competição e a clara necessidade de um jogador de armação fizeram com que técnico Dunga caísse e deixaram claro que o novo camisa 10 deveria ser o paraense. A primeira convocação de Mano Menezes, contra a seleção dos Estados Unidos, já teve o nome do atleta que, logo de cara, recebeu a camisa 10. O ano estava perfeito, tudo estava seguindo como o planejado pelo jogador, mas, em agosto, quinze dias depois da estreia na seleção, o meia sofreu uma ruptura no ligamento cruzado do joelho esquerdo (mesma lesão que já havia sofrido, 2007, no joelho direito) e parou por sete meses.
            O que se desenrolou a partir daí foi a explosão de Neymar que, sob a tutela de Muricy Ramalho, se tornou um dos melhores jogadores do mundo, sendo fundamental para a conquista da Libertadores de 2011. Ganso, insatisfeito com a forma que o Santos havia tratado sua renovação de contrato, passou a ser um mero espectador de Neymar, tendo apenas alguns lampejos do jogador que havia sido no ano anterior. Seu desempenho não agradava os torcedores, que criticavam muito o atleta que não conseguia mais se estabelecer no clube e na seleção. O maior baque veio nas Olimpíadas de Londres onde, mesmo cercado de jogadores jovens, acabou sendo relegado ao banco de reservas. Era hora de mudar de ares.

Linguinha sedutora...
            Ganso foi vendido para o São Paulo na maior negociação entre clubes brasileiros até aquele momento, chegando ao clube com status de maestro e apenas 22 anos. Participou discretamente da campanha que deu a Copa Sul-Americana para a equipe e demorou a engrenar pelo tricolor paulista. Começou a responder melhor quando Muricy Ramalho chegou ao clube no lugar de Ney Franco. Ganso já conhecia o treinador, com quem havia sido campeão da Libertadores. O meia reencontrou o bom futebol, conseguia dar passes e chegava com mais eficiência no ataque para finalizar. Ganhou a posição de armador da equipe de Jádson e, em 2014, fez parte do bom conjunto ofensivo que contava com Pato, Kaká, Luiz Fabiano e Alan Kardec que levou o São Paulo ao vice-campeonato brasileiro daquele ano. Em 2015 o São Paulo viveu um momento muito complicado na sua administração, o que afetou diretamente o rendimento em campo. Ganso não tinha atuações consistentes e parecia estar fazendo corpo-mole nas partidas, o que colocou ele numa posição de conflito com a torcida. Um ano após ter seu auge no clube, o jogador vivia seu pior momento.
            E foi com esta carreira cheia de altos e baixos que um dos maiores talentos do final década passada começou 2016. Com um elenco limitadíssimo, Ganso se tornou o líder técnico do São Paulo de Edgardo Bauza que demorou muito para encaixar. O meia tinha agora que buscar a bola, distribuir os passes e chegar junto na área para finalizar. A resposta do jogador foi muito boa, conseguindo muitas assistências e gols decisivos na Libertadores e, mais importante, participando muito mais do sistema defensivo do time. Sempre criticado pela falta de empenho, Ganso mostrou no primeiro semestre de 2016 muita disposição para correr pelo campo e foi o limiar do São Paulo entre um jogo bom e um ruim. Um desempenho tão bom chamou a atenção da Europa e a sua saída agora já é dada como certa.
            Por mais que esteja na mídia desde o início da sua carreira profissional, Ganso tem apenas 26 anos, sendo ainda muito novo para um jogador da sua posição. Os melhores armadores do futebol geralmente atingem o auge quando já têm uma idade avançada, afinal adquirem mais experiência e pouco perdem em velocidade. Um bom exemplo é Alex, armador cerebral que nunca foi de correr muito e soube usar o tempo a seu favor nos seus melhores momentos no Fenerbahce. Outro caso de sucesso é Pirlo. O camisa 10 são paulino teria sido informado que Jorge Sampaoli tem como objetivo transformá-lo numa espécie de “Pirlo do Sevilla”, dando a ele a mesma função de iniciar as jogadas que o italiano tinha no Milan, Juventus e seleção.

Devagar e sempre
            Na teoria a ideia parece boa, afinal Ganso é muito bom passador e dá tão poucas arrancadas quanto Pirlo, mas na prática não é bem assim que funciona. Pirlo nunca foi um velocista e sempre teve dificuldades na marcação individual, mas sempre estava se mexendo e ditando o ritmo do jogo. Na semifinal entre Juventus e Real Madrid ele simplesmente foi o segundo jogador que mais distância havia percorrido em campo, isso aos 36 anos de idade. Cruyff tem uma frase espetacular sobre isso: “se eu sair um pouco antes que meu adversário eu sempre vou parecer mais rápido”. Jogadores de alto nível como Cruyff e Pirlo sempre souberam ler o jogo e dedicavam suas energias para sempre aparecerem livres. Ganso é um destes que sabem ler o jogo, mas sempre chamou a atenção a sua falta de concentração no que acontecia em campo. Para ser o distribuidor que Sampaoli pensa ele precisará se desmarcar mais e terá que correr o tempo todo, coisa que nunca fez desde que começou a jogar profissionalmente.
            Numa famosa entrevista feita no “Bem amigos”, Clarence Seedorf (que na época era uma espécie de guru sobre o futebol estrangeiro) disse que Ganso teria uma enorme dificuldade para se adaptar ao futebol europeu, pois era um jogador que cadenciava muito o jogo e mantinha a bola tempo demais nos seus pés. Este é um problema que o jogador não parece ter superado, nem tanto por incapacidade, mas pelo excesso de espaço que se tem para jogar no Brasil. Um jogo baseado em passes de primeira parece besteira quando se joga ao lado de jogadores que não conseguem acompanhar seu raciocínio. Com os bons valores da equipe espanhola Ganso pode ter mais opções para usar e desenvolver o seu arsenal de jogadas.
            Podemos entender então que são três as coisas que o meia precisa melhorar neste momento: primeiro ele precisa se mover mais dentro de campo e ser sempre uma opção viável para seus companheiros criando linhas de passe; depois ele precisa soltar a bola mais rápido do que faz atualmente, evitando mais do que três toques quando tiver a posse de bola; e precisa aperfeiçoar o seu jogo defensivo, jogo este que já deu mostras de eficiência enquanto foi um dos melhores ladrões de bola do Campeonato Paulista desse ano.

Procurei uma montagem do Ganso com a camisa do Sevilla e não achei, então finjam que este não é Kiyotake
            Fato é que Paulo Henrique Ganso terá sua primeira (e última?) chance no futebol europeu. Vai para uma liga que preza mais pelo ataque do que pela defesa, para um time que busca renovação e mais títulos com um treinador super ofensivo que sempre trabalhou bem com jogadores técnicos como ele. O garoto paraense que já foi comparado com craques do mundo todo chega ao velho continente com seis anos de atraso e leva consigo a esperança de que possa, com a maturidade adquirida na intensa jornada que foi sua carreira, reencontrar o jogador que encantou o mundo em 2010.

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