A tese de que o futebol moderno
acabou com os aspectos extracampo e as provocações entre os jogadores é provada
pela repetitividade demonstrada pelos atletas em entrevistas e a fuga dos
questionamentos de enfrentamento. Com o chamado “media training”, o treinamento
realizado desde a categoria de base sobre como se comportar ao dar uma
entrevista, os jogadores passaram a se comportar como robôs programados para
dizerem sempre a mesma coisa. Com exceção de um “que merda” aqui, um “só não vale” acolá, as entrevistas pós-jogos são hoje uma mera formalidade. E o
cenário é o mesmo fora do campo das entrevistas: os bad boys de hoje são assim
chamados porque bebem, namoram ou arrumam confusão. Tudo isso em silêncio,
demonstrando mais irresponsabilidade do que rebeldia. Isso acontece com todos.
Todos. Menos com Ibrahimovic.
O futebol já viu jogadores de todos
os tipos: bons, ruins, azarados, sortudos, comportados, encrenqueiros,
falastrões, quietos... São tantos jogadores diferentes que qualquer tentativa
de categorizar pode parecer uma estupidez. Mas uma dessas categorias que
costumam usar é extremamente divertida: bad boys. O bad boy sempre foi uma
figura importante no esporte, sendo muitas vezes um bom ponto de referência
para criar narrativas. Geralmente eles apresentam características comuns: são
brigões, arrogantes, falastrões e, principalmente, bons de bola. Essa coisa de
achar que jogador mediano é bad boy (Jobson, Balotelli) é uma falácia, afinal
este tipo de atleta geralmente não consegue responder na bola as críticas que
suas trapalhadas provocam. Há vários exemplos de bad boys de verdade: nomes que
vão desde Effenberg a Romário, de Dadá Maravilha a Edmundo, de Maradona a
Cantona, de Stoichkov a Ibrahimovic.
Olhando para o passado você
dificilmente encontrará uma combinação tão explosiva para fazer polêmicas como
o atacante sueco: craque de bola, midiático, obstinado, provocador e MUITO
arrogante. Essa arrogância que nós adoramos no sueco já lhe custou contratos,
amizades e troféu. A equipe do Barcelona não tinha um atacante no nível de
Ibrahimovic desde os tempos em que Ronaldo jogava lá, sendo assim enormes as
chances dele ter sido campeão da Champions League, seu maior desejo. Na sua
cabeça, Ibrahimovic é uma superestrela, o melhor jogador do mundo, um astro que
jamais deveria ocupar um papel secundário dentro da equipe em que está. E ele
tem certa razão para pensar assim: fisicamente é uma aberração, tem 1,95 de
altura e agilidade que faz parecer um desperdício que ele atue centralizado. É
um driblador nato e tem um poder de finalização que combina perfeitamente
potência, precisão e técnica. Nunca foi finalista para Bola de Ouro, mas é
definitivamente um jogador de elite, um dos melhores de sua geração e o último
jogador que fala muito e corresponde dentro de campo.
Conversa entre um pai e seu filho de 12 anos |
A busca pela equipe onde pudesse
jogar e ser a estrela fez com que ele rodasse por muitos clubes e conseguisse
viver momentos de idolatria em gigantes como Milan, Internazionale e Ajax, mas
foi em Paris que Ibra achou sua verdadeira casa.
Contratação mais cara da história do
futebol francês, Ibrahimovic chegou ao clube parisiense para a temporada
2012/2013, um ano depois de o clube ser comprado por milionários árabes. O PSG
tinha um objetivo simples: ganhar todos os títulos possíveis e se tornar o
maior clube do mundo. O problema é que eles não combinaram isso com os outros
times. A primeira temporada foi boa, mas o primeiro revés na Champions League
fez com que mudassem drasticamente a sua ideologia. A estratégia de acumular
talento consagrado foi abandonada e a equipe começou a pensar mais em juntar
jovens jogadores que pudessem evoluir. Foi com essa ideia em mente que
jogadores jovens como Matuidi, Marquinhos, Stambouli, Rabiot, Kurzawa e Lucas
Moura chegaram ao Parc-des-Princes, além da vinda de alguns outros jogadores
experientes que poderiam contribuir logo de cara, como Dí Maria, Thiago Silva e
Maxwell. O desempenho da equipe foi melhorando, logo chegaram ao ponto de
disputar as quartas da Champions e mantiveram um domínio absurdo na Liga
Francesa e também na Copa Nacional. Tudo isso regido pelo craque sueco que
colocava a equipe nos holofotes com seus gols espetaculares e com suas frases
sempre polêmicas fora de campo.
Ainda assim, a personalidade forte e
o polo de atração que era Paris não conseguiram colocar o atacante nem o clube
no topo do mundo e, após três anos, muito era especulado na imprensa mundial
sobre a decadência do atleta e do adeus que ele poderia dar ao futebol europeu.
Muita gente já dizia que o futuro era os Estados Unidos, onde poderia ganhar dinheiro
e construir uma carreira semelhante à de David Beckham, mas o fato é que o mago
sueco decidiu voltar para seu último ano de contrato com a equipe.
A temporada 15/16 de Ibrahimovic
foge da normalidade de qualquer outra que ele tenha vivido na carreira. O
jogador sempre demonstrou uma habilidade absurda com a bola e geralmente usava
pouco a estatura gigantesca frente aos defensores adversários. Ele decidiu
mudar um pouco seu estilo de jogo e isso fica claro quando avaliamos os números
do atleta. Esta foi a terceira temporada em que ele mais deu passes, com média
de 44 por jogo. A diferença é que pela primeira vez ele aceitou a posição de
jogador centralizado. Quem acompanha a carreira dele sabe da sua preferência
pela posição de segundo atacante, como na época em que jogava com Alexandre
Pato no Milan ou com Adriano na Internazionale. Centralizado ele poderia deixar
um buraco sempre que decidisse sair da área para armar o jogo, especialmente
pela ausência de um jogador para essa função. Méritos para Laurent Blanc, que
soube montar uma equipe com muita mobilidade e espaços, especialmente ao
posicionar Dí Maria no lado direito. Longe da área e com mais espaço na sua
frente o sueco teve mais espaço para armar e finalizar. O resultado? 38 gols,
13 assistências na liga nacional e cinco finalizações por jogo, todos estes os
melhores números da carreira do atleta. Isso tudo acompanhado de seu melhor
aproveitamento em dribles e do menor número de desperdícios de bola da
carreira.
Porcentagem de gols, de jogos sem marcar e contribuição de pontos. Fonte: Blog do Flávio Ramalho |
Mas mesmo com sua melhor temporada
da carreira, o forte elenco e o ótimo treinador a equipe voltou a falhar na
Champions, pegando mais uma vez cruzamentos complicadíssimos nas fases de grupo
e eliminatórias. O PSG foi a melhor defesa da competição, tomou apenas um gol
em uma falha bizarra de Kevin Trapp contra o Real Madri que custou a primeira
posição no grupo. Na fase seguinte veio o ascendente Chelsea, que foi eliminado
sem maiores dificuldades. Depois o Manchester City, que mais na sorte que na
capacidade eliminou uma equipe que dominou totalmente o confronto, com muito
mais posse e finalizações que o adversário. Restou o campeonato francês,
vencido com oito rodadas de antecedência e a Copa da França, também vencida sem
maiores dificuldades.
O fato é que a passagem de
Ibrahimovic pelo PSG não foi só um “caso de sucesso”. Foi ele que deu para uma
equipe média da França, conhecida por disputar competições europeias do segundo
escalão, a chance de ser uma potência europeia e conhecida no mundo todo. E foi
Paris que deu a Ibrahimovic o estrelato que ele sempre buscou, tornando ele o
maior jogador de sua história e lhe. A imagem que ele deixará para o clube é a
de sua despedida da torcida parisiense, uma rara imagem dele chorando, abraçado
aos filhos e parecendo bem mais humano do que o Bad Boy que ele quis parecer
durante toda sua vida. Numa relação de mutualismo em que Ibra trouxe e
desenvolveu o futebol de alto nível, Paris deu a ele um pouco daquilo que lhe é
alcunha: luz.
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